segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Consumo

Não vou entrar naquela discussão de que hoje é mais importante ter que ser, que de tão batida, já está chata. Também não vou listar todas as repercussões causadas por isso, porque só quando se sofre suas consequências é que se pode dizer o quão longe elas podem ir. Então, vou falar da repercussão que me atinge hoje, que com certeza não foi a que me aflingiu ontem e não será a que me aflingira amanhã. Assim seja.
Somos obrigados a consumir a todo momento, e isso inclui todos os artigos consumíveis no momento: roupa, comida, água, lazer, cultura, saúde, educação, transporte, desejo. É verdade, nós somos obrigados a consumir o desejo. Ou seja, nós compramos o desejo. Assim, o que era para ser elemento de sobrevivência, vira elemento de desejo, e se você não deseja aquilo que deve ser desejado, pois é uma necessidade, algo de errado precisa ser descoberto.
Desta forma adimito que não compro o desejo da comida, por exemplo. Claro que muitos vão me incluir no hall das anorexias, dos transtornos alimentares, talvez me enclausurar em algum ambiente onde eu não possa convencer outras pessoas que consumir comida não é a finalidade última da vida. (Não considero esta uma hipótese ruim, pois já fizeram isso com muitas pessoas com idéias aparentemente muito mais inofensivas que esta.)
Três pontos precisam ser esclaridos antes:
1- Não nego que a satisfação que a ingestão de alimentos causa de forma alguma, pois comida é sim sobrevivência, e ela(s) deve(m) ser fornecida(s) a todos;
2- nego tampouco que o padrão ideal de beleza estabelecido causem transtornos de diversas ordens;
3- Cada corpo precisa de quantidades específicas dos devidos nutrientes para se manter são.
Feitos os devidos esclarecimentos, continuo dizendo que não são todos que compram o desejo do consumo alimentar. Uma lata de brigadeiro não me faz feliz; uma feijoada não me faz feliz; um milkshake de ovomaltine do Bob's definitivamente não me faz feliz. O que me faz feliz: correr na minha linda orla e chegar em casa devorar uma melancia perfeitamente doce e gelada; acordar e comer uma bananinha no ponto e tomar um suco da fruta feito na hora; um abacaxi em calda feito pela vovó para o lanche da tarde.
"Blah, naturalista" - dirão - "não conhece os prazeres da vida", como se a vida se resumisse a seus prazeres.
Não sou naturalista, assim como não entendo porque é tão difícil aceitar a diversidade, porque somos abrigados a padronizar pessoas e comportamentos a todo momento e porque criamos arquéticos que possam servir de bode expiatório para nossa incapaciddade de igualar todos.
Claro que tenho minhas dificuldades com as diferenças e sei que em nenhum momento somos questionados sobre isso. Mas, ao invés de ficar preso a esses estereótipos, que tal começarmos a nos questionar mais sobre o que de fato (não)queremos,(não)gostamos e (não)desejamos. Talvez consigamos identificar todas aquelas características que (não)devemos perpetuar.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Hipocrisia

Somos todos hipócritas.
Novamente, inicio fazendo uma afirmação dura, para alguns - mas não é só porque ela é dura que não deve ser dita e pensada.
Não existem verdades absolutas, nem espero que um dia elas existam, mas afirmo que somos todos hipócritas.
Vivemos escondidos de nossos próprios desejos, com medo de descobrirmos o que somos e o que queremos, pois a sociedade a todo momento nos pressiona a sermos algo que muitas vezes não queremos ser, a fazer coisas que muitas vezes não queremos fazer, a sentir, desejar, olhar, optar coisas que nao queremos sentir, desejar, tampouco optar. Mas assim o fazemos. Todos os dias. E a aqueles que não fazem, lançamos nossos julgamentos, nossos olhares de reprovação, nossa hostilidade. Alguns diriam por inveja, ciúme... eu digo, alienação, talvez.
Há sempre quem diga que só faz o que quer, que respeita as diferenças, que convive bem no mundo. Esse alguem pode até de fato acreditar nisso, mas isso não faz dele menos hipócrita; para mim, pior, faz dele mais hipócrita que todos.
Aqueles que reconhecem sua hipocrisia são capazes - se quiserem (leia-se puderem) - de mudar. Entretanto, quem não é capaz de reconhecer suas prórpias limitações e se resigna em sua alienação, é o pior de todos.
Clareando um pouco nossa hipocrisia, seria algo do tipo: meu amigo é gay, mas meu irmão não; meu vizinho é louco, mas meu tio não; a prima de minha amiga é puta, mas minha mãe não.
De fato meu irmão não é gay, meu tio não é louco e minha mãe não é puta; mas se fossem, não teria problema nenhum.
Mentira.
Estamos sempre em busca de uma pseudonormalizade, de seguir padrões que nos façam aceitos nos grupos. Propagamos um discurso vazio de aceitação das diferenças - vazio porque não é assim que agimos com o diferente. Nós excluímos, ignoramos, humilhamos, detestamos e assim por diante.
Estar no lugar que diz que as coisas podem ser diferentes está muito longe de estar no lugar de fazer diferente as coisas.
Então, quem é mais hipócrita: aquele que finge saber, aqueles que finge querer ou aquele que finge fazer?