quinta-feira, 28 de abril de 2011

O mundo que nós queremos

Ontem estava assistindo a um programa sobre a formação do Brasil e em um trecho apareceu Darcy Ribeiro dizendo que temos que começar a criar o mundo que nós queremos. Ele disse isso após falar da necessidade de um mundo mais justo, no qual as pessoas não morram de fome nem vivam nas ruas entregues à sorte. Achei bonita a frase e pensei em divulgá-la. Imediatamente me veio uma apreensão: que mundo é esse mesmo que nós queremos? É esse mundo mais justo mesmo que todos querem?
Ao que me parece, o mundo que se tem almejado hoje é o mundo do consumo, da maior oferta de produtos no mercado, da liberdade de expressão individual acima do bem coletivo, de melhores salários para que se possa ostentar mais. Não é o mundo da distribuição de renda do qual Darcy falava, não é o mundo reforma agrária, da escolaridade universal, do acesso à saúde, ao lazer, ao descanço devido.
Eu não posso estimular a criação daquele mundo em detrimento da criação deste. E como eu não sei exatamente quem quer o que, eu não vou divulgar essa frase. Quem quer este mundo mais humanizado já sabe que tem que lutar por ele, porque ele está se distanciando de nós a passos largos.
Sei que é preciso lembrar sempre que precisamos construir esse presente de uma outra forma, porque a desesperança é inevitável ao se deparar com as atrocidades que vemos diariamente. Ainda assim, não vou divulgar essa frase.
Já presenciamos demais idéias excelentes de transformação social serem utilizadas para a quase extinção de determinadas sociedades. Já vimos muitos o amor sendo utilizado como arma de destruição em massa. Não vou cair nessa armadilha de novo.
Quem precisar do reforço para continuar lutando, eu tenho palavras a dizer. Para aqueles que querem este outro mundo, eu tenho lágrima a mostrar. Para aqueles que não pensam sobre isso, perdoem o meu desprezo, mas é preciso de posicionar.

Pátria livre - Lutaremos.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Disparador temático

Estava ouvindo no carro uma música de Nando Reis, igual a todas as outras, que tem um trecho que diz assim: "a vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância". A depender do frágil ao qual ele esteja se referindo, podemos conversar, mas quanto à irrelevância, tenho que discordar. Nenhuma vida pode ser considerada irrelevante.
Fico então com a frase "a vida é mesmo uma bobagem". Porque ela é mesmo uma bobagem. Não uma bobagem no sentido de ser uma besteira, ou de ter pouco valor, mas no sentido de ela ser feita nas bobagens do dia-a-dia, na bobagem dos pequenos gestos. Pode ser que alguém diga que este é um fraco consolo para aqueles que não conseguem fazer nada grande de sua vida. Talvez seja mesmo. Mas os grandes feitos são muito raros quando se olha o todo, e, normalmente, muito passageiros.
O que vai marcando é aquela pessoa que te acompanhou no ponto de ônibus um dia quando se estava sozinho; que foi te dar uma aula quando a mãe estava doente; que te deu um sorriso a mais quando sentiu uma tristeza no ar; que atendeu seu telefonema de madrugada; que te deu sua melhor viagem; que disse que não ia colocar seu nome em um trabalho que você não fez.
São essas bobagens que nos são dadas de graça todos os dias, que muitas vezes não vemos e não damos valor. A vida é isso. Não é a grande festa, é a boa conversa que temos nela. Não é o grande amor, é o aconchego da hora de dormir. Não é a melhor nota, é a mudança de paradigmas que aquele assunto nos proporciona.
Quem sabe assim conseguimos aproveitar mais a felicidade dos dias que insistem em nos seguir.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Triste nota sobre a inocência

O mundo perdeu a inocência, assim como o humano. Não sabemos mais o que é essa coisa que ouvimos falar, muito menos como resgatá-la.
Estava lendo hoje um texto de Bauman no qual ele afirma que com a liberação total do sexo e da sexualidade, o amor próprio dos pais (entenda-se como quiser) passou a ser sensurado, sendo qualquer demonstração de carinho, zelo e afeto para com os filhos pode ser entendida como abuso sexual, como erotização da sexualidade infantil.
Isso é o ápice do julgamento da inocência. Não que não existam gestoras e provedora(e)s inconscientes que utilizam seus gerados para as satisfações de seus desejos mais perversos. Mas, não podemos generalizar, como tem sido feito.
Baixando um pouco da ponta do iceberg e observando de leve nosso próprio comportamento em relação ao outro, podemos notar como a inocência se perdeu até mesmo nos mais simples gestos. Toda (tomando todo o cuidado com as generalizações que sempre usurpam o que ainda resta no mundo do que se está tratando) relação humana ou está sexualizada ou comercializada.
Uma pessoa que convida a outra para sair, para estudar, para qualquer coisa, ou quer transar com ela ou quer usá-la em seu benefício. Não que isso seja totalmente verdade ainda, mas é isso que achamos. Quando alguém nos faz um elogio, ficamos logo desconfiados e automaticamente pensamos: "o que ela quer de mim?", ao invés de ficarmos simplesmente gratos ou lisonjeados com o elogio. O mesmo vale para qualquer outro acontecimento. Se convida para ver um filme é porque está afim de mim; se chama para estudar é porque ele quer saber o quanto eu sei para saber mais, se pergunta se vai para a festa tal é porque quer carona, e assim vai.
Há os poucos que ainda tentam confiar em alguém, na esperança de encontrar um semelhante no mundo, e ao se deparar com a realidade, percebe que "realmente não devia ter confiado nele/a de novo". E como não podia deixar de ser, esses que ainda procuram um semelhante se magoam ao serem defrontados com a falta de confiança geral de uns para com os outros, principalmente com a desconfiança dos outros para consigo.
É difícil entender como as pessoas conseguem levar a vida sem confiar em ninguém, dormindo com um olho fechado, sem guardar mais um pingo de inocência em si. E ainda queremos que não se note que nos falta um pouquinho de amor...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Acima de todas as coisas

Já estou cansada de ver e ouvir todas essas histórias de pessoas que superaram as dificuldades da vida e foram felizes para sempre.
Primeiro eu tinha pensado que se produzem esse tipo de história porque, em meu momento freudiano, a pulsão de morte sempre prevalece sobre a pulsão de vida, e a vida não é nada mais que um acaso, uma sorte. Assim, é necessário ficar reforçando sempre a importância da vida, da superação, do crescimento e desenvolvimento pessoal para que ninguém desista no meio do caminho e fique por lá. Viver é lutar diariamente e tem horas que precisamos de uma pausa. Duvido sinceramente que exista uma pessoa que nunca tenha pensado em desistir ou, pelo menos, em parar um pouco.
No correr do pensamento, cheguei a uma explicação um pouco melhor para mim: por tudo isso que foi dito anteriormente, o capitalismo, esse ser abstrato que rege e controla nossas vidas, precisa garantir a sobrevivência das pessoas para que elas possam continuar produzindo e consumindo. (Claro que quando o valor do produto é maior que o valor da vida, vendem-se produtos que destroem vidas, mas esses são os ossos do ofício). Como a vida é muito, muito mais dura para os mais importantes produtores/consumidores que se calam com a boca de feijão ao meio-dia, porque não tem outro jeito, precisa-se dizer para eles que se você quiser, você pode sair dessa situação. É tudo uma questão de esforço e dedicação.
Daí surgem Lulas, Marinas, Monas-Lisas que eram moradores do lixão e/ou de adjacências e galgaram um lugar no mundo.
Isso é tão mentira quanto a democracia nacional.
No censo de 2010, a população brasileira era de 190.732.694 habitantes, divididos em 67.557.424 domicílios. Considerando que aproximadamente 25% dos domicílios possuem uma renda maior que 5 salários mínimos (sendo que desses 25%, 9% dos domicílios possuem uma renda superior a 10 salários mínimos), 50.668.068 famílias, cerca de 142.883.952 de pessoas precisam lutar diariamente pela sobrevivência. Uma única pessoa que saia não muda a realidade dessas 142.883.951 pessoas que restam. Por isso se faz tanto esforço para fazê-las acreditar que qualquer uma dessas 142.883.951 pessoas que sobraram pode ser essa uma que saiu.
Mais fácil é jogar na mega-sena, mas como isso requer o dinheiro do leite, o melhor mesmo é trabalhar muito, acordar bem cedo, por é quem deus ajuda e confiar que você será o próximo.

"Pelo amor de Deus,
Não vê que isso é pecado desprezar quem lhe quer bem?
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém abandonado pelo amor de Deus?"

Chico, eu também fico muito zangada.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Falar e/é ouvir

Fito diz em uma canção que "la vida es na hoguera que quema toda ilusión". Preciso discordar. A vida não é algoz da ilusão, a vida é ilusão. Se somos algozes de nós mesmo, esta é outra discussão.
Considerando que a vida é ilusão, nos iludimos a todo momento, já que a vida não nos dá um minuto de descanço. Viver é um imperativo. Mas não venho falar da vida, que sei eu sobre a vida...venho falar da ilusão, que disso que entendo bem.
Vivemos nos iludindo. Melhor, vivo me iludindo. Não posso falar por ninguém - se mal falo por mim, quiçá. Então, vivo me iludindo. A parte boa, ou não, é que de um jeito ou de outro, acabo descobrindo minha ilusão. Apesar de serem muitas, as ilusões que se foram sempre nos fazem falta. Aliás, sempre me faz falta...que mania de querer falar pelos outros!
A mais nova ilusão que perdi foi a de que falar dói. Oh, eu vivia tão bem achando que falar doía e, por isso, me calava. E achava que estava tudo bem. Que doía, doía, mas era uma dor guardada, minha.
E fui levando. As vezes, quando era muito importante, e com muita insistência, eu falava. Não falava tudo - nunca se pode falar tudo. Mas falava, e alguma coisa acontecia. Como não pode deixar de ser, sempre havia algo por calar por trás das palavras ditas, algo que não queria sair e não tardaria a adormecer.
Mas falar não dói. Essa é somente uma desculpa para não se ouvir, porque o que dói mesmo é ouvir, principalmente aquilo que temos a dizer. Ouvir o que o outro diz é corriqueiro, aprendemos a nos defender - aprendi. O que dói é a nossa verdade, aquilo que só podemos descobrir quando estamos sós. É isso que dói: ouvirmo-nos.
Não importa que a verdade esteja remoendo aí (aqui) dentro, porque é nossa (minha) e está guardada, bem guardada. Só que ela vai corroendo, aos poucos, furando, entrando, cada vez mais fundo. E sabemos disso. Tanto sabemos que inventamos tapa-buracos. Trabalhos, televisões, livros, exercícios, praias, bares, bebidas, comidas, amigos, aniversários, carnavais, são joões, reveillons, e mais trabalhos e mais televisões e mais livros e mais exercícios e mais praias e mais bares e mais bebidas e mais comidas e mais amigos e mais aniversários e mais carnavais e mais são joões e mais reveillons e de novo, e mais uma vez, e casamentos, filhos, e mais tudo isso de novo e de novo e de novo até que... ufa, passou.
Ah, passou, passou, não sinto mais nada e a vida está no fim. Que sorte. Vivi tanto. Que sorte. E não sinto nada.
Tapa-buracos. Para mim são tapa-buracos. Ou melhor, i-lu-sõ-es, doces ilusões. Que me fazem falta. Como fazem. Como não me iludem mais, não tapam mais meu buraco. Vou ter que inventar outros. E, por enquanto, vou ter que falar. Pior, vou ter que ouvir, me ouvir.
A propósito, alguém conhece o vendendor das pílulas douradas?

Ser ou não ser:...

Acho que não preciso saber quem eu sou, basta simplesmente ser. Saber quem eu sou me tornaria uma pessoa diferente. Me tornaria alguém que sabe quem é, e esse alguém é um alguém diferente do que sou agora. Aliás, somos uma superposição de tudo aquilo que fomos, e não somos mais. Talvez tenha que saber quem fui para assim desconfiar de quem talvez eu possa ser e poder deixar de ser quem eu sou.
Não é tão complicado quanto talvez esteja parecendo. É que eu era complicada. Não sei se deixei de ser, mas como descobri que era, não posso mais sê-lo. Assim é a regra. Se descobrir que continuei complicada, deixarei novamente de sê-lo para redescobri que o era quando deixar de ser um dia.
Pois é assim, não posso ser aquilo que sou, sendo aquilo que fui. Afinal, nunca saberemos mesmo quem somos, somente quem poderíamos ter sido, se isso for realmente importante.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Espelho virado pro céu

Não posso jamais negar a sensação de infinitude que o mar me traz. Eu poderia atravessar o mundo nadando e me cansar de tanta liberdade no meio do caminho e ficar por lá mesmo.
O rio possui as águas doces da doçura do mar, mas ele não é livre, nem pode ser. Ele segue sempre seu rumo, o mesmo rumo, e não desvia nunca. Eu me deixaria levar pela correnteza de um rio, mas não conseguiria esquecer que a qualquer momento poderia ficar presa em algum obstáculo do caminho. E há de haver obstáculos no caminho.
Não quero a prisão dos obstáculos, quero a imensidão da liberdade.
O mar é aquilo que vai além. É a amplitude, é a vastidão de possibilidades, a possibilidade de escolhas.
Há, claro, quem prefira o caminho certo, indicado, sem muitas escolhas: parar ali e esperar ou continuar para o fim certo. Resolve o conflito de uma pedra aqui, o incômodo de uma queda d'água ali, e assim vai. É sim mais seguro e mais confortável, mas não tem volta. Tem saída, mas não tem volta. Não tem passar por um lugar duas vezes porque o curso é unidirecional; ele só vai.
No mar, as vezes se cai em uma correnteza que não te diz aonde vai te levar, até que se percebe que se chegou em um lugar inimaginado; ou então, cai em um marasmo, e fica ali parado, a deriva, a espera de qualquer coisa que te impulsione; pode ainda seguir em uma direção, que não é progressiva ou regressiva, direitista ou esquerdista, porque o mar não tem direção.
O mar é a liberdade de que nos foi negada.